domingo, 31 de julho de 2011

Cultura e desenvolvimento local

Ladislau Dowbor*

Por Blog Acesso

Antes de tudo, é preciso saber de que cultura falamos. Há uma visão estreita de cultura, no sentido ministerial, digamos assim, e na concepção pre-Gilberto Gil, de que se trata de organizar eventos simpáticos com artistas, inaugurar museus, promover eventos no teatro municipal, canalizar os impostos, com os quais empresas estão desgostosas, para financiar produtos culturais. Nada contra essa visão que é necessária e útil. Mas se trata aqui, de uma faceta apenas, e limitada, muito reminiscente de la culture, com sotaque francês, e de imortais maranhenses. Economicamente, é a cultura do mecenato, da generosidade, do verniz elegante de quem já acumulou.

Há também uma visão mais popular, sem dúvida, mas igualmente estreita, que tem sido chamada de “indústria da cultura”, e que os americanos chamam de entertainment industry. Com a expansão do rádio, do cinema, da televisão e do 3G; com a penetração da TV em praticamente qualquer residência (95% dos lares têm TV no Brasil), com crianças assistindo, em média, 4,5 horas por dia; com o controle dos meios de comunicação pertencente, basicamente, a quatro grupos privados, gerou-se uma máquina de fornecimento de produtos culturais padronizados, de alguns pontos centrais para todo o País. É uma cultura de recepção, passiva e não-interativa, centrada na geração de comportamentos comerciais, já que o seu ciclo econômico passa pela publicidade, cujo financiamento, alias, sai do nosso bolso.

O efeito é, por um lado, o consumismo obsessivo, vitimando, particularmente, as crianças; e, por outro lado, uma cultura apelativa, que trata, essencialmente, de manter a audiência, ainda que seja transformando crime em espetáculo. Trata-se, literalmente, da indústria do consumo, em que a cultura entra apenas como engodo. No conjunto, esta dinâmica gerou uma imensa passividade cultural. A criação, esta depende do criador entrar no seleto grupo que uma empresa irá apoiar, para virar, na melhor tradição do “jabá”, um sucesso. A cultura deixa de ser uma coisa que se faz, uma dimensão criativa de todas as facetas da nossa vida, e passa a ser uma coisa que se olha, sentado no sofá, publicidade de sofá incluída.

A era da internet vem, naturalmente, transtornar o confortável universo dos latifundiários das ondas magnéticas, das editoras, dos diversos tipos de intermediários. Filmes simples, mas criativos, a partir de qualquer celular encontram enorme sucesso no YouTube; músicas alegres, tristes ou debochadas passam a circular no planeta sem precisar da aprovação de emissoras; artesãs do vale do Jequitinhonha, que vendiam artesanato a 10 reais para se espantarem ao saber que eram revendidas por R$150, passaram a furar os bloqueios dos atravessadores e a vender na internet. Livros que nunca estão disponíveis nas livrarias aparecem online, com muito mais leitores. Nas universidades, surge o OCW – Open Course Ware, que assegura ciência gratuita e dinamiza a pesquisa. É a desintermediação em marcha, fim do controle absoluto de quem não cria, mas fornece o suporte material para a criação, e se apropria do copyright em nome dos interesses do autor. E sempre o argumento de que estão ajudando o pobre autor.

Na favela de Antares, no Rio de Janeiro, dotada de banda larga, os jovens plugados passam a fazer design e a prestar serviços informáticos diversos, o que lhes rende dinheiro, e fazem cultura por prazer e diversão. Nas cidades com acesso WiMax, banda larga sem fio, as crianças têm na ponta dos dedos acesso a criações científicas, lúdicas ou artísticas de qualquer parte do mundo, esbarram no inglês macarrônico mas suficiente, criam comunidades virtuais.

De certa forma, a reapropriação dos canais de criação cultural pelas comunidades gera uma outra cultura, agora, sim, no sentido mais amplo. Uma comunidade periférica ou um município distante já não são isolados, ou inviáveis, como os classificam os economistas. O resgate da identidade cultural é central para um resgate muito mais amplo do sentimento de pertencer ao mundo que se transforma, de participar da criação do novo. E o desenvolvimento é apenas em parte uma questão de fatores materiais, de investimentos físicos. A atitude criativa está no centro do processo de desenvolvimento em geral. Estamos entrando na era da economia do conhecimento, e a cultura, longe de ser a cereja no bolo dos afortunados, passa a ser o articulador de novas identidades locais.

*Ladislau Dowbor é formado em Economia Política pela Universidade de Lausanne, na Suíça; Doutor em Ciências Econômicas pela Escola Central de Planejamento e Estatística de Varsóvia, na Polônia (1976). Atualmente, é professor titular da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, e continua com o trabalho de consultoria para diversas agências das Nações Unidas, governos e municípios. Atua como conselheiro na Fundação Abrinq e no Instituto Polis, entre outras instituições.

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quinta-feira, 28 de julho de 2011

Parque da Luz, nos também fomos...


Olá Jovens Urbanos e equipe PJU. Vamos rumo a mais um relato semanal...

"É nois di novo", como diria um jovem com seu jargão informal.

Ou para nos falar de uma recente exploração "A rua é nois", fazendo referência ao mc Emicida (para alguns já vendido para MTV, para outros nem tanto "a rua é nois agora é sucesso" diriam) mas enfim, segue o relato(:).

Semana passada outra vez "a rua foi nois, a cidade foi nois, o trem foi nois".



Tivemos por:

Tema: Parques da cidade, lugares de convivência urbana, descanso para a correria e stress diario;

Local: Parque da luz;

Mês: julho, dia 19, 2011 nova era.

Numero de jovens: 22 comigo, que também me considero jovem e urbano (talvez um pouquinho rural). Apenas Welber desfalcou nosso time, magoou viu.

Chegando na Estação da Luz, chamei a atenção para a construção da mesma. Que inspirada nas estações londrinas , apresenta um belo relógio, para ninguém perder a hora do chá.


"Na marcha pra Jesus nos descemos essa rua".

Apontou Alisson para a Av. Tiradentes, em seguida tocando no celular o rap "Vixi, é muita treta"...

"Eu vi o show deles nesse dia".

Se referindo ao mc Pregador Lú e ao grupo Apocalipse 16, que fazem raps religiosos.



Lembrei a galera para observar o parque e perceber possiveis diferenças entre parques centrais e periféricos.


Muitos se sentiram a vontade para tirar fotos (sobretudo algumas meninas, como a Jenifer por exemplo hehe), a paisagem búcolica se misturava a pessoas de todas as idades, que se exercitavam, alongavam ou olhavam o movimento das arvores e pessoas.


Fomos ao aquário do parque e, andamos por todo o seu percurso (que não é longo “Já acabou?”alguém disse).

"Aquela placa é o que?", indagou Caique olhando em direção a Pinacoteca. Eu respondi “Vamos lá ver".

E pudemos observar o mapa do parque e suas inúmeras espécies: sabiá-laranjeira, sanhaço, chupim, bem-te-vi, periquito verde e rolinha-caldo-de-feijão, aves aquáticas como socó dorminhoco e binguá, além de seis bichos preguiças.

Ao reencontrar nossos "amiguinhos", transmitimos aos mesmos o havíamos visto. E propomos uma caminhada até o bosque da preguiça.

Contudo com a ressalva de que dificilmente veríamos alguma coisa além dos sabiás, já que "meus jovens" juntos parecem ser da espécie das maritacas. Brincadeira viu.

No caminho nos deparamos com mudas de arvores para replantio, semelhante ao realizado no Parque Chico Mendes (São Miguel).




Ressaltei também que: "Originalmente era um jardim botânico, e foi transformado em jardim público no fim do século XIX". Retirei esse trecho da Wikipédia, mas falei exatamente isso.

Ao passarmos pelo bosque nada de bicho preguiça, mas alguns jovens ficaram com preguiça e se sentaram nos bancos. Outros, foram se exercitar nos aparelhos de ginástica ao ar livre.

Quanto a mim, só de olhar fiquei cansado negando os apelos de Mateus, Karol e outros inconvenientes que queriam suar a camisa.



Não tirei muitas fotos, pois conversei bastante com "meus jovens"- entenderam? vocês são meus hehe.

Espero ter acesso as fotos tiradas por vocês, tirando as de orkut é lógico, já conheço bem suas carinhas.

Foi muito bom.

Estava meio desanimado no dia antes da exploração. Mas vocês me animaram (não que sejam palhaços, não é isso hehe). Valeu mesmo. "A rua é nóis".

-Na quinta feira com numero reduzido de jovens, fomos ao Galpão Tide Setubal pegando informativos acerca das oficinas de construção de instrumento, xadrez e outros. Conversamos sobre a exploração, a vida na cidade e por fim sobre as experimentações. Que gerou relatos sobre as ultimas nesta semana, e que serão expostas na próxima postagem.

Abraço a todos.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Henri Lefebvre, inventor do direito à cidade

By admin – 23 de julho de 2011

Em Brasília, admirei.

Não a niemeyer lei,
a vida das pessoas
penetrando nos esquemas
como a tinta sangue
no mata borrão,
crescendo o vermelho gente,
entre pedra e pedra,
pela terra a dentro.

Em Brasília, admirei.
O pequeno restaurante clandestino,
criminoso por estar
fora da quadra permitida.
Sim, Brasília.
Admirei o tempo
que já cobre de anos
tuas impecáveis matemáticas.


Paulo Leminski,
Ruinogramas, anos 1980


Notas sobre um pensador marxista que alertou: a força das metrópoles está na reinvenção permanente da vida social, não na matemática dos planejadores

Por João Telésforo em Brasil em desenvolvimento

O “direito à cidade” foi pioneiramente concebido como tal por Henri Lefebvre, na obra-manifesto Le droit à la ville, publicado poucos meses antes de maio de 1968. Lefebvre repudia a postura determinista e metafísica do urbanismo modernista: tem ciência de que os problemas da sociedade não podem ser todos reduzidos a questões espaciais, muito menos à prancheta de um arquiteto.

A crítica ao urbanismo positivista, porém, não se reduz à questão de que ignora os limites da capacidade de o planejamento racionalista abstrato transformar a realidade. Mais do que apontar a falência do resultado, Lefebvre repudia o caráter alienante da própria pretensão de tornar os problemas urbanos uma questão meramente administrativa, técnica, científica, pois ela mantém um aspecto fundamental da alienação dos cidadãos: o fato de serem mais objetos do que sujeitos do espaço social, fruto de relações econômicas de dominação e de políticas urbanísticas por meio das quais o Estado ordena e controla a população.

O Estado autoritário planificador pode até eventualmente resolver necessidades materiais como moradia e transporte, mas também priva as pessoas da condição de sujeitos da construção da sua própria cidade. No livro Contra os tecnocratas, de 1967, Lefebvre critica inclusive os regimes do “socialismo real”, por se calcarem numa concepção produtivista que ignora que o direito à cidade não se realiza simplesmente pela construção de moradias e outros bens materiais, mas de uma sociabilidade alternativa à da sociedade burocrática – seja a de consumo, seja a planificada –, dominada por uma racionalização automatizadora que torna a vida cotidiana trivial, desprovida de sentido e autenticidade, mutiladora da personalidade.

Em oposição a essa perspectiva administrativista, Lefebvre politiza a produção social do espaço: assume a ótica dos cidadãos[1] (e não a da administração), assentando o direito à cidade na sua luta pelo direito de criação e plena fruição do espaço social. Avança numa concepção de cidadania que vai além do direito de voto e expressão verbal: trata-se de uma forma de democracia direta, pelo controle direto das pessoas sobre a forma de habitar a cidade, produzida como obra humana coletiva em que cada indivíduo e comunidade tem espaço para manifestar sua diferença.

Sua realização só pode acontecer quando, confrontando a lógica de dominação, prevalece a apropriação do espaço pelos cidadãos, sua transfomação para satisfazer e expandir necessidades e possibilidades da coletividade. Apropriação não tem a ver com propriedade, mas com o uso, e precisa acontecer coletivamente como condição de possibilidade à apropriação individual. Lefebvre verifica que é essa a forma de uso da cidade em períodos nos quais ocorre produção do povo pelo povo, como na experiência da Comuna de Paris, quando os trabalhadores se reapropriaram do centro da cidade, após terem sido jogados para a periferia pelo planejamento haussmanniano.

Em vez da ciência e da técnica, Lefebvre propõe, assim, outro ator como protagonista do processo de transformação do espaço urbano: “[a] classe trabalhadora deve ser agente dessa luta. Aqui e ali ela nega e contesta, aqui e ali, a estratégia de classe dirigida contra ela”[2]. O novo urbanismo idealizado por ele é o da utopia experimental, que parte dos problemas de lugares concretos, onde se desenvolvem relações sociais, e os submete à crítica e à imaginação de novas possibilidades. O papel da ciência é auxiliar, cabendo-lhe fazer a crítica da vida cotidiana por meio da análise do ritmo da vida diária das pessoas, e estudar as implicações e consequências das novas formas de apropriação inventadas pelos cidadãos.

Lefevbre pensa o espaço como “a inscrição do tempo no mundo”: os ritmos da população urbana definem o cotidiano, formado por uma multiplicidade de momentos, com diferentes durações: trabalho profissional, voluntário, descanso, arte, jogo, amor, luta, conhecimento, lazer, cultura… A nova sociedade urbana nascerá da alteração dos seus ritmos, de modo a propiciar o uso completo dos lugares, com plena fruição de direitos. Para tanto, é preciso contrariar o status quo de segregação e uniformização do cotidiano (com hipertrofia dos momentos de trabalho alienado), por meio da contestação e da vivência concreta de experiências alternativas, mais espontâneas e autênticas, propiciadas, por exemplo, pela arte e por atividades lúdicas comunitárias, como festas e jogos no espaço público. Para Lefebvre, por meio dessas formas de contracultura, de primado da imaginação sobre a razão, da arte sobre a ciência, da criação sobre a repetição, é possível restaurar a cidade como obra dos cidadãos.

Lutar pelo direito à cidade é romper com a sociedade da indiferença e caminhar para um modo diferencial de produção do espaço urbano[3], marcado pelo florescimento e interação igualitária de diversos ritmos de vida, expressão das diferentes formas de apropriação do espaço. Avesso às “impecáveis matemáticas”, ao planejamento metafísico que pretende resolver em definitivo os problemas sociais e declarar o fim da história, a intervenção transformadora desse espaço é ciente de sua historicidade, procurando no tempo sua reconstrução cotidiana pelas tensões entre as experiências do real e as utopias construídas a partir delas.

Como no poema de Leminski, a luta – inclusive contra a lei, ou à margem dela – e a pluralidade das vidas das pessoas vão subvertendo os esquemas de redução da complexidade social, minando, aberta ou clandestinamente, a estratégia dominante de sufocar o aparecimento de diferenças autênticas e sua integração igualitária.

[1] Lefebvre distingue citadins (todos os habitantes da cidade) de citoyens (aqueles a quem o Estado reconhece a cidadania política), esclarecendo que o direito à cidade é de todos os seus habitantes, independentemente de seu reconhecimento legal como cidadãos. Nossa compreensão de cidadania extrapola o aspecto formal e estatal: reivindicamos a plena cidadania para todos os habitantes da cidade, e é por isso que aqui os chamamos todos de cidadãos, independentemente de serem ou não, em maior ou menor extensão, reconhecidos assim pelo sistema jurídico formal (ao qual tampouco reduzimos o direito).

[2] LEFEBVRE, 1996: p. 158.

[3] BETTIN, 1982: p. 118

*Este texto corresponde ao fragmento de um artigo escrito em co-autoria com Gabriel Santos Elias